O conceito de farmacovigilância cresceu bastante desde os anos 1960 e vem se tornando cada vez mais relevante no setor farmacêutico.
No início daquela década, uma tragédia envolvendo o uso de talidomida desencadeou uma série de esforços a nível internacional para aumentar a segurança dos medicamentos.
A talidomida estava sendo indicada a mulheres grávidas e, como resultado, milhares de crianças nasceram com má-formação congênita provocada pela medicação.
Tal fato mobilizou a comunidade médica e, em 1968, a Organização Mundial de Saúde (OMS) instituiu um projeto piloto de monitorização internacional de medicamentos.
As estratégias e objetivos do projeto foram se definindo melhor ao longo das décadas seguintes, atraindo cada vez mais nações a participar dele.
Em 1997, a Declaração de Érice representou um avanço significativo, estabelecendo padrões éticos e científicos na promoção e garantia de um uso seguro de medicamentos.
O 4o item da declaração proclama a necessidade de colher informações seguras sobre o uso de fármacos, além da análise e compartilhamento internacional dos dados.
Poucos anos depois, o Brasil também passou a fazer parte do projeto.
Entenda agora como essa história define o conceito e a prática da farmacovigilância na atualidade e como você pode fazer parte desse importante movimento.
O que é farmacovigilância?
O termo “farmacovigilância” abrange conhecimentos e práticas voltadas à identificação, avaliação, compreensão e prevenção de efeitos adversos e outros problemas ligados ao uso de medicamentos.
Para todo e qualquer medicamento, existe sempre uma relação entre seus benefícios e seu potencial para causar danos, sendo objetivo da farmacovigilância reduzir esses danos.
Atualmente, ela é um campo de estudos específico que busca a qualidade, segurança e eficiência da medicação acessível ao público.
Nesse contexto, os efeitos adversos são apenas um dos temas de relevância para a ciência, que também se ocupa do uso irracional de medicamentos.
E além dos medicamentos alopáticos tradicionais e complementares, avalia também os medicamentos fitoterápicos, hemoterápicos, vacinas, produtos biológicos e outros voltados à saúde.
O The Uppsala Monitoring Centre (UMC) coordena o atual Programa Internacional de Monitoração de Medicamentos da OMS com a supervisão de um comitê internacional.
Seu centro global de comunicação e capacitação, além de sede de toda informação já reunida sobre segurança de medicamentos, localiza-se hoje em Uppsala, na Suécia.
O centro também desenvolve sites e boletins informativos, além de promover grupos de discussão e reuniões anuais dos centros nacionais de farmacovigilância.
Importância da farmacovigilância
A OMS estima que eventos adversos de medicamentos geram gastos de cerca de 42 bilhões de dólares por ano.
Tais eventos ocorrem por diversos fatores.
Para que um medicamento seja comercializado, ele precisa antes passar por um sistema rigoroso de testes e comprovações de sua eficácia e segurança.
Porém, tais estudos possuem limitações, como o fato de que os testes são aplicados sobre um número reduzido de pacientes e por um tempo limitado.
Por questões éticas, por exemplo, crianças, gestantes e idosos não participam desses testes.
Além disso, o período dedicado a eles não permite avaliar os efeitos da medicação a longo prazo.
Por isso, há um período de observação dos medicamentos que chegam ao mercado que depende de um sistema organizado de coleta de informações.
A fim de evitar casos semelhantes ao da talidomida em 1960, a identificação de possíveis problemas causados por um medicamento precisa ser rápida e eficaz.
Atualmente, diante dos novos hábitos de consumo e facilidade de acesso a informações e produtos proporcionados pela internet, a farmacovigilância possui uma importância vital.
Isso porque a venda ilegal de medicamentos, além da prática da automedicação e uso inadequado de fármacos e outras substâncias, representa um grave problema de saúde pública.
O que é o uso irracional de medicamentos?
Uma das formas mais comuns de uso irracional de medicamentos é a automedicação inadequada.
Mas além do uso deliberado de remédios sem orientação médica, há muitos casos também em que o paciente não segue as dosagens prescritas pelo especialista.
E ainda, o uso excessivo de determinada medicação ou o uso simultâneo de outros fármacos também são formas de uso irracional de medicamentos.
Tudo isso representa um sério risco de danos, mortes, internações ou mesmo prolongamento de internações para o paciente.
Mas não só o consumidor é responsável por casos de uso irracional.
Também existem muitos erros de prescrição ou dispensação que são computados como tal e que também são alvo da farmacovigilância.
A OMS estima que 50% dos medicamentos são prescritos, dispensados ou vendidos de maneira inadequada, e que metade dos pacientes os utiliza incorretamente.
Já o uso racional de medicamentos, segundo a Organização, é quando o paciente recebe a medicação necessária, na dosagem e pelo período corretos e ao menor custo individual e comunitário.
Farmacovigilância no Brasil
Antes mesmo de aderir ao programa internacional da OMS, o Brasil já tinha ações de farmacovigilância amparadas pela legislação desde 1976.
Entre as leis que dão suporte às ações atuais, há diversas portarias, resoluções e decretos que remontam ao ano de 1998.
A Portaria 802/1998, ainda em vigência, determina que todo informe sobre acidentes ou reações nocivas causadas por medicamentos seja transmitido à autoridade sanitária competente.
Entretanto, no ano de 2001, o Brasil tornou-se o 62o membro do Programa Internacional de Monitoração de Medicamentos da OMS.
Em 2009, a Anvisa publicou sua primeira norma específica de farmacovigilância, a RDC 04/09, direcionada aos detentores de registro de medicamentos.
Já a RDC 44/09 estabelece que todo farmacêutico deve comunicar às autoridades sanitárias sobre qualquer suspeita ou ocorrência de evento adverso.
A partir de então, o órgão nacional de Vigilância Sanitária vem estabelecendo cada vez mais ações de vigilância pós-comercialização de medicamentos.
Sediado pela Gerência de Farmacovigilância da Anvisa, o Centro Nacional de Monitorização de Medicamentos (CNMM) representa o Brasil no the Uppsala Monitoring Centre.
Além da vigilância pós-comercialização, o CNMM desenvolve atividades que começam antes mesmo da comercialização dos medicamentos, ainda em seu período de registro.
Desde 2007, a Anvisa disponibiliza um sistema para receber notificações de eventos adversos provocados por fármacos.
Como notificar eventos adversos?
Atualmente, o sistema que recebe notificações de eventos adversos provocados por medicamentos e vacinas é o VigiMed.
Em funcionamento desde 2018, ele substitui o NOTIVISA, que hoje recebe apenas notificações sobre eventos adversos de outras substâncias (não medicamentosas) sujeitas à Vigilância Sanitária.
O sistema é aberto à população em geral, e o órgão pede que tanto pacientes quanto agentes de saúde participem enviando notificações.
Para isso, ressalta que não é necessário ter certeza da associação entre o evento adverso e o uso do medicamento.
A simples suspeita da associação é suficiente para se realizar uma notificação!
Porém, é importante atentar para a qualidade dos dados inseridos no sistema, para otimizar a análise e resposta por parte da Anvisa.
Nesse sentido, por exemplo, é solicitado que o produto notificado seja identificado com precisão, de preferência, informando-se o número do lote e o fabricante.
Antes de saber mais detalhes sobre o VigiMed, confira a seguir o que são considerados os “eventos adversos” que devem ser notificados.
O que é um evento adverso?
Um evento adverso é qualquer ocorrência indesejável relacionada ao uso de medicamentos ou vacinas.
Naturalmente, a definição inclui efeitos nocivos ou desagradáveis experimentados após o uso, mas não se limita a eles.
Quando um fármaco vai perdendo a eficiência ao longo do uso, podendo até chegar à completa ineficiência, isso também é considerado um evento adverso.
Da mesma forma, o uso abusivo ou com finalidade diferente do previsto na bula (o que é chamado de uso “off label”) também se enquadram na definição.
E ainda, de um modo geral, os erros de medicação devem ser notificados, tanto os que foram interceptados quanto os que efetivamente ocorreram.
Tais erros podem ser relacionados às mais diversas etapas da medicação, incluindo a preparação, prescrição médica, distribuição, dispensação, administração e monitoramento.
Como funciona o VigiMed?
Podem enviar notificações ao VigiMed os cidadãos em geral, profissionais e serviços de saúde, empresas, patrocinadores de ensaios clínicos e Vigilâncias Sanitárias.
O acesso é rápido e não exige cadastro de cidadãos comuns ou profissionais não vinculados a uma instituição específica.
Para os demais profissionais e instituições, o cadastro foi facilitado em relação ao sistema anterior, que era o NOTIVISA.
Ainda em relação ao sistema anterior, o VigiMed apresenta maior estabilidade, funcionalidades mais modernas e melhoria nos processos de envio e recebimento de informações.
Além disso, ele facilita a geração e o acesso às informações coletadas.
É possível, por exemplo, acompanhar um painel de notificações de farmacovigilância, que permite pesquisas por nome do medicamento, princípio ativo ou tipo de evento adverso.
Desde 2018, o VigiMed recebeu cerca de 117 mil notificações, sendo que a maior parcela delas, cerca de 40%, foi feita por farmacêuticos.
Os dados coletados pelo sistema são compartilhados com o UMC na Suécia e contribuem para os fins da farmacovigilância a nível global.
Conclusão: aplicando as boas práticas de farmacovigilância
A prática da farmacovigilância através da notificação permite identificar novos riscos e atualizar o perfil de segurança dos medicamentos disponíveis no mercado.
Isso ocorre até mesmo quando a notificação se refere apenas a uma suspeita não confirmada de eventos adversos provocados pela medicação!
Por meio dessas informações, pode-se estabelecer uma avaliação contínua das relações entre benefícios e riscos de cada fármaco.
Felizmente, desde que entrou em funcionamento, o VigiMed vem recebendo um número crescente de informações, contribuindo para a saúde da população global.
Para os profissionais do varejo farmacêutico, ainda mais comprometidos com a promoção desse bem-estar geral, conhecer e praticar a farmacovigilância é fundamental.
Nesse caso, tais práticas não podem se limitar ao envio de notificações à Anvisa, mas devem fazer parte do dia a dia da assistência farmacêutica.
Para fazer o download gratuito do Guia de boas práticas de farmacovigilância, preencha agora mesmo o formulário abaixo!
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